quarta-feira, outubro 09, 2019

Terra de Ninguém - Douro Internacional


Faz hoje precisamente 3 anos da Primeira repetição de "Terra de Ninguém", que por sua vez ocorreu precisamente 10 anos depois da abertura.

Zero - Meadinha FEST - 2019

No Próximo fim de semana, dia 12 de Outubro é uma excelente oportunidade para conhecer esta mole granítica que tem tanto de belo quanto de dramático.

quinta-feira, janeiro 03, 2019

Vitrúvio - Douro Internacional.

Alguém outrora descreveu o "picón de la carrocera"como a maior parede portuguesa em terreno espanhol. E de facto Olivensa não é tão nossa quanto esta mole granítica que estando do lado de lá, é de costas para Castela que decidiu repousar, fincando os pés no rio Douro e erguendo-se hirta mais de 300 metros.






O Parque natural Los Arribes del Duero, homólogo do Nosso Parque Natural do Douro Internacional, apesar de mais recente do que o português tem uma gestão mais madura, permite por exemplo a escalada fora da época de nidificação entre 1 de Agosto e 15 de Janeiro, sendo respeitada a privacidade para os passarinhos namorar na época em que a natureza a isso convida.







Também natural feito passarinho livre era a minha vontade de voltar a esta monumental parede depois de a ter conhecido com o Marco Cunha na primeira repetição da "Terra de ninguém", uma aventura que gostaria de um dia contar aqui.



Ainda na "Terra de Ninguém" pensava para com os meus mosquetões - tenho que arranjar forma de convencer a Natália a vir cá. Ela vai adorar isto! - mas com nomes de código enigmáticos como: "A2 (6b/A1+)", "A1 (7a)", e os temíveis "E.T. 4+" não seria tarefa fácil.





A estratégia foi um envenenamento gradual em doses ínfimas, com uma periodicidade que não permitisse esquecer, mas também não saturasse. Por vezes uma foto, outras um suspiro, uma pequena descrição de uma passagem ou sensação. A jogada mais decisiva consistiu em arranjar um nome de código mais amigável: "Vitrúvio 345 metros 6b" visto assim parecia bastante aceitável. Relembrando claro, de uma forma oportuna, do curriculum e "d'um saber só de experiências feito" em outras vias mais musculadas e de maior envergadura."Quase" todas bem sucedidas e por tanto haveríamos de sobreviver.





Natália convencida e motivada apenas faltava encontrar uma data que no contexto de chuvas e (demasiados) compromissos não foi tarefa fácil. Com a agravante de aproximar-se o final do ano e nós habituados a dar uma margem extra aos passarinhos, não vá haver um passaroco com uma líbido mais precoce, gostamos de uma época mais apertada de 1 de Setembro a 31 de Dezembro.





Dia 8 de Dezembro na previsão alargada não trazia muita chuva, e mais do que a ajuda meteorológica, estava aquele buraco imaculado em branco na agenda. Faltava uma semana, tudo em cima, e por acaso de outros compromissos cruzamo-nos com o Senhor João Évora. Que de algum tempo manifestou vontade de encordar connosco numa via grande qualquer, pese nesta vontade algum envenenamento paralelo que tive o cuidado de distribuir caso alguma das partes falha-se num receio de última hora, coisa que acontece com alguma frequência a quem sobre abismos pouco desportivos se gosta de aventurar.




- Caro amigo a tal viagem ao Douro é para a semana… - com um brilhozinho nos olhos e de sorriso rasgado respondeu - Bora lá! - E foi com aquele sorriso que soube naquele instante que a aventura estava ganha. Saímos na sexta parando apenas em Carrazeda de Ansiães, para carregar baterias.





Pernoitamos no parquinho que dá acesso ao miradouro e de manhã sem madrugar em demasia, enquanto saboreamos o pequeno-almoço, organizamos o material. Estava tudo bastante húmido, mas o frio não era tanto como o expectável para dezembro, pelo que decidi poupar na roupa a carregar, apenas t-shirt térmica, sweat, polar, penas e um impermeável. Apesar da via ser relativamente curta e a dificuldade anunciada não ser “da demorada”, levamos uma manta térmica, 2 litros de água e comida, tudo isto a multiplicar por 3 que distribuímos por 3 mochilas, não fosse caso de noite ou outra escuridão nos abrandasse o passo.







































A descida pela “Floresta de Bornéu” assim batizada pelos intrépidos conquistadores: Paulo Roxo e Miguel Grillo, é uma paisagem densa e húmida tipo filme “Predador”, mas mais abrupta. Não dá para enganar, pois como me disse uma vez o Marco Cunha é como um Fosso do Lobo, uma espécie de funil em que vais andando e vais-te encurralando, até que chegas lá.



A referência no croqui para o início da via é uma árvore “gordo! gordo”, mas o teto em travessia do segundo largo é uma referência ainda melhor.







No L1 começamos logo a patinar em alguma “erva tração” em várias viras para contornar algum caos de blocos, tudo de imediato bastante vertical. Numa das passagens repousando num dos famigerados terrões “ampulheta de 15 segundos” demorei mais do que a conta creio que 14 segundos para ser mais preciso, saindo no último instante e compenetrado em tentar organizar o caos envolvente e o frio dos ossos, esqueci-me de avisar os companheiros de cordada, que o pé da natália como se de pisar uma mina terrestre se tratasse, foi voo para o vazio imediato que retesou a corda num estalo seco como um galho a partir e colocou de sobreaviso os necrofagos esfomeados.










O L2 é talvez o largo mais estético de toda a via, uma travessia para a esquerda numa fissura por debaixo de um teto, que descreve um arco, começa-se a subir e depois à que descer, em equilíbrio com os pés em pequenos grâtons, pouco físico mas tão técnico quanto estético.



















Os restantes largos percorrem canais, diedros e chaminés evidentes de um grande traço diagonal que rasga de cima abaixo quase todo a “carrocera”.
























No meio destes canais e com uma previsão de tempo sobrado pois igualava-mos o sol em boa altura, questionamos o Senhor Évora se queria ir à frente num largo, que logo anuiu. Receios infundados que mais largos abrisse mais depressa chegaríamos, que o Senhor é veloz como uma lebre e trepa como um cabrito.
































A cereja em cima do bolo estaria no último largo, que por subestimar os 90% já feitos ou se por ansiedade do aproximar do topo, esqueci-me de algum material e a totalidade das fitas, uma lastra oca de 20 metros onde não dá vontade de proteger com friends por risco de desprendimento da mesma, aqui as fitas teriam dado jeito, seguida de uma travessia em placa fina proteção num entalador pequenino, para uma saída final de mais uns 10 metros em placa lisa em apneia.































Uma boa via para quem não quer ficar
em casa e quem sabe de “iniciação”
nas lides do Douro.
Excelente companhia, a repetir, a companhia quanto ao Douro há que voltar! mas agora só lá para Setembro, e quem sabe a outra via...