quinta-feira, dezembro 31, 2009

Tesourinhos do abismo

Bom 2010, e cuidado... eles andam aí...

quinta-feira, dezembro 17, 2009

Embrouiller dans la dalle - Férias parte III

Finalmente estamos a acabar a novela das férias 2009.
(Onde os protagonistas, comem e bebem, fazem um bivaque forçado e ainda têm tempo para fazer uma via de 1100 metros.)




Depois do Mallo Tó Zé, cabisbaixos e muito tristonhos, seguimos para o 3º e último objectivo, com pensamentos negativos e com a auto-estima ensarilha em cima.

Comemos massinha Italiana ainda em Ordesa e no dia seguinte de manhã seguimos rumo a:


Dent D'Orlu

Quando chegamos as previsões eram de chuva.
Combinamos que no dia seguinte faríamos a adaptação à escalada.

Estando de férias e tendo colocado as expectativas frouxas para esse dia, fomos tomar o pequeno almoço a Ax les Thermes, comer croissants francius e beber cafezinho do bom...ahhhh ba ouiiiiii





Compramos muita comidinha para os dias seguintes.





A previsão meteorológica para o dia era de trovoadas
e chuva ao final da tarde.



Seguimos rumo à nossa aclimatação.


A fazer pose para a foto, antes de bombar 1 hora de caminho a subir

Subimos subimos subimos...porque o que mais caracterizou estas férias foi sem dúvida as prolongadas aproximações em terreno íngreme.



Fizemos uma via de 3 largos, um larguinho para cada um. Eu como sou a mais forte da cordada abri as hostilidades nas placas lisas d'0rlu.

"La petiote" - 5c, 80m






Depressa deixei de ser a mais forte e quase ficava lá num passito liso, mas lembrei-me da responsabilidade que tinha para com os meus companheiros de cordada e fui até às argolas, de seguida o Joni abriu o 2º largo, gemeu também, mas isso é ponto assente seja 6a ou 7a.
O master ficou com o largo mais frouxo, e correu por lá cima tipo coelho do Alice no País das Placas de Aderência Pulidas, de relógio na mão, é tarde é tarde..... temos de escalar rápido, ver o melhor tempo que conseguimos fazer... é tarde é tarde............











Acreditando nas previsões baixamos da via. Apesar so Sérgio querer fazer mais 2 vias. Tínhamos cumprido os objectivos pré delineados - agora faltava ir conhecer o caminho de regresso
do cume do dentes.

Dessa forma saberíamos como descer na aventura do dia seguinte.



Um puto franciu ensarilha disse que havia um canal por onde se podia descer, então fomos fazer o reconhecimento. Já mais acima da base da via "Les enfants de la dalle" começou a chover como se não houvesse amanhã, a trovejar.....aiiiiiiiiiiiiiiiiii vamos daqui para fora.



Escondemos os macutos e bora daqui para fora que isto está a ficar molhado.

Custou-me bastante deixar lá o material debaixo daquele mau tempo, pensava se chove assim agora como estará isto amanhã.


Descemos e fomos para a nossa suite particular trocar de roupinha, comer comidinha quente, beber chá, jogar poker...



2º dia
No dia seguinte com todo o tempo do mundo começamos a subir às 9 horas, o Joni tinha de vender flores por telefone, chegamos à base da via as 10 da manhã.

Eu pensei sempre que não íamos fazer a via, que fazíamos meia dúzia de largos e baixávamos.



"Les enfants de la dalle" - Face sud-est TD/6a+ 1100m
18 largos de placas compactas, equipadas. Pois é! muitos quilos de inox francês.



Já na base da via e bem quentinhos da aproximação, o Sérgio começou a correr parede acima.
Nada estava definido ainda, aqueles primeiros metros foram logo do esquisito grau de 5c+, pouco habituados às placas polidíssimas comecei logo a rastejar por lá cima.











O Sérgio a correr parede acima, eu com ar de quem está a miar, o Joni com os pés desfeitos, quando demos por ela tínhamos dezasseis largos abertos e umas nuvens negras em pano de fundo….uhhhhhhhhhhhhhhhh que medo.





Estávamos perto do 18º largo, era hora de decidir.
O rapel só é possível até ao 18º largo, depois não está equipado, e só é possivel baixar passando pelo cume.

Seriam talvez as 16h, a pressão era notável nas nossas caras e nos nossos diálogos… aliás já não conversávamos muito desde o 10º largo.
Em questões de tempo estávamos bem, entre umas resmungadelas seguimos para cima, a decisão mais difícil e mais oculta que se tomou, porque na verdade a única coisa que dissemos foi:
- Não vamos fazer 18 rapeis!!, e ainda por cima vem aí a tempestade e é aconselhável ir para cima, porque a via transforma-se uma cascata e vamos levar com uns calhaus na tola.



Aqui parece fácil decidir, a 700m de ter os pés em terra firme é tudo um pouco mais exponenciado, aliás é um verdadeiro big brother vertival.
O ex-líbris da via seria o tal 6a+ que na cotação deles daria, sei lá…. O passito era bem raro, nada que meia dúzia de azeradas não descomplicasse a coisa.







Mas o melhor estaria para vir, mais 6 largos de pura aventura, sem equipamento fixo, e muito abismo debaixo dos pés, muito entulho e algum desleixo da parte do primeiro de cordada que já escalava com a corda à volta da cintura e dava segurança à antiga. O joni já escalava de ténis, eu se tirasse os pés de gato já não entravam mais.














Até que finalmente depois de um exporão bem abismico, de uma placa fúnebre a um desgraçado que ali tropeçou, de muitos largos em ensemble, chegamos AO TÃO ESPERADO CUME do DENT D'ORLU.

Oito horas de escalada/corrida ininterrupta, mas era hora de pensar na próxima aventura - descer!
Comer uma barrita e não beber água porque já quase não havia, a barrita caiu num poço sem fundo, Jesus que fominha que tínhamos.







O cume foi bom, fizemos as fotos da praxe e seguimos cheios de força.
O épico começa aqui, descemos a pé pela via normal e derivamos para a direita em direcção a um belo de um cristerio muito manhoso cheio de ervas bem grandes e secas, abismo dos dois lados e não ver nada à frente porque a noite caiu de repente como um pano negro à volta dos olhos.



Como as coisas mudam quando a noite cai!
Tudo se tornou mais complicado, apesar de termos as indicações do caminho bem frescas na cabeça.

O meu stress era aparente, não via nada, ansiava o tal caminho à esquerda no prado que iria fazer ligação com o caminho já dentro da floresta.

A coisa não foi bem assim mas andou lá perto, viramos num caminho e realmente atravessamos o prado, mas o caminho da floresta nunca apareceu, então decidimos “relar mato” floresta abaixo, até cruzar-nos o caminho. Segundo o Sérgio já o deveriamos ter cruzado à muito.

Não correu muito bem, depois de ter perdido muita cota, ouviamos cada vez mais perto um curso de água de cada lado, estávamos cercados.
Rapelavamos os ramos das árvores mais rasteiras. Ainda tentamos passar um dos riachos, mas foi má ideia de novo, o stress reinava.
Depois de muito descer uma inclinação de praí 75%, estávamos a ensarilhar largo.
A decisão mais correcta era a mais difícil de tomar, voltar a subir tudo de novo, e teve de ser.
A técnica característica: descida auxiliada pelos ramos verdes e flexíveis das árvores, não dava para subir, e tivemos de puxar pelas unhas, joelhos e perninhas.

Tínhamos escalado 8 horas em placa, foi dureza, penso que demoramos mais de uma hora só a subir. Antes de nos embrenharmos na floresta havíamos visto uma luz ao fundo de um caminho que seguíamos, que na carta militar indicava ser um refúgio.

O caminho do refúgio seria andar quilómetros para trás, o Sérgio a olhar para a carta militar e para o altímetro dizia que estávamos a 10 metros do caminho.




As criaturas da noite

Depois de andarmos para cima e para baixo à procura do caminho, ceguinhos de sede começamos a beber de um regatinho com esterco de garrano.
O corpo cada vez mais debilitado sem sabermos o que fazer, era 1h da manhã, decidimos descansar até ser dia.
Foi a decisão mais acertada, embrenhamos na floresta para nos proteger do frio, fizemos caminha de folhas e toca a fazer cadeirinha entre os 3.



Estávamos em altitude, de corsários, t-shirt e corta vento light, foi uma verdadeira noite de frio.
Frios como o gelo azul tivemos de fazer uma nanominimicro fogueirinha, limpamos bem o chão, arranjamos pedras, uns palitinhos e bota fogo nisso.



No meio de uma floresta dos pirinéus armados em escuteiros piromaniacos... Fizemo-lo com muita prudência.

Dormitamos acordados, encostados uns aos outros e sempre a bater o dente, e a pedir ao Sérgio que não deixasse cair as mãos na fogueira sempre que adormecia. Depressa nasceram os primeiros espectros de luz, deixamos tudo como encontramos, bem extinta a mini fogueira e bira procurar o caminho.

Estava de facto a 10 metros, o Joni atravessou um regatito mesmo ali ao lado da suite e gritou - Está aqui o caminho.



Toca a descer, mais quatro horinhas com os joelhos abanar e amarrados a uns pausinhos.
O caminho era longo, muito longo!








de regresso

Todos a relatar os seus desejos maiores, eu queria dormir, o Sérgio queria beber e o Joni comer, e assim foi quando chegamos ao nosso refúgio particular.
Eu dormi, o Joni fez comidinha quente e o Sérgio fazia chá bebia e obrigava os outros a beber, - Bebam estamos desidratados, temos de beber, acorda Natália tens de beber.

Bem! era incapaz de me levantar sem me agarra a alguma coisa, estava mesmo muito desgastada. Lá me levantei bebi e tentei comer, comi uma ervilha e parecia que estava grávida de 6 meses. As barriguinhas estavam mal da água adobada, muito mal, mas esforcei-me e lá comi um bocadinho de empadão que a minha invencível cordada me tinha reservado.

Havia ainda grande frete para fazer, ir buscar as mochilas à base das vias, eu não conseguia, só se fosse no dia seguinte.
O Joni disponibilizou-se e lá foi ele, pelo caminho conheceu uns espanhóis que disseram que há muito que queriam fazer a via mas que tinham medo da descida... e deram a receita secreta para as nossas dores musculares:
- A caminho de casa há umas lagoas naturais de água sulfurosa que vos vão colocar como o aço.

E lá fomos nós em busca da água quentinha e mal cheirosa, antes ainda fizemos uma paragem em Ax les Thermes para comer mais, aí sim atestamos a barriga.
Chegados a Merens les vals, a terrinha das lagoas eu estava descrente que haveria ali remédio para as minhas dores musculares extremas, nem fui com a cordada em busca das lagoas.
Ainda não tinham chegado às lagoas e deu-me para me por a caminho também.
O problema era o sol e as caminhadas que de 10 minutos se tornavam sempre em aproximações dolorosas, apanhei o Sérgio que tinha vindo para trás dizer-me que encontrou o caminho, e lá caminhamos mais uns 20 minutos debaixo de sol, mas valeu a pena, a água era quentinha e mal cheirosa e lá ficamos de molho até termos pele transparente.

Não tínhamos levado água, grande falha! e desidratados como estávamos... agora ali de molho na água a ferver.
O Sérgio já estava a virar os olhos em branco.
As tantas lembrou-se de ir ver se a nascente era de água quente ou fria. Dizia que a quente vinha por baixo e aquela deveria ser fria.. E Bingo.




Depois de horas a alternar entre água quente e fria, a beber como camelos, seguimos rumo à Meca do consumo

Andorra.
Fizemos algumas compritas para a janta e dormimos cedo, bem cedo. Ainda antes de deitar voltamos a encontrar uns Portugueses de jipe que já haviamos conhecido em Ordesa. No dia seguinte foi o pior que o bivaque forçado, pelo menos fizemos mais km, vimos tudo e compramos pouco.

Era dia de regressar e fazer já alguns quilómetros de regresso ao alentejo. Perto da noite paramos num parque de campismo onde a casa de banho nunca havia visto limpeza, aliás era um parque de barraquismo, as imagens falam por si.



No dia seguinte seguimos viagem até Portalegre, e depois de umas visitas eu e o Sérgio seguimos até ao norte e terminaram assim as férias do verão passado, de uma cordada ensarilha.