sexta-feira, novembro 11, 2011

Caravela Roxa, pré- história.


Sábado à noite, estamos no local do costume, o parque de estacionamento no final da aldeia da Peneda. Depois de um jantar típico de uma expedição em estilo Nortuga, caracterizadas pelo seu estilo pesadíssimo, em especial no que toca a colocar material em cima da mesa. Desta vez nem faltaram uns cogumelos silvestres colhidos pelo nosso especialista. Envoltos por um paraíso verde cinza e rodeados por abandonados fragmentos plásticos à espera de um final mais digno num ecoponto, os frontais das nossas cabeças apenas focam os croquis das vias da Meadinha, nada mais conseguem absorver. Surge então uma voz racional que nos traz de volta para o campo da realidade e do momento.

 - No meio de tanto sítio bonito para ficarmos, tínhamos logo que escolher um local sujo, isto está cheio de lixo!
- Serve para nos ambientar para a clássica, há que saber ver para além do entulho!
Surge então uma lição de semiótica por parte do interveniente.
- Há uma teoria que diz, quando as caravelas de Colombo chegaram ao litoral norte-americano, os índios não as viram. Por não as conhecerem e não saberem o que era uma caravela, seus olhos não identificavam os barcos. O chefe da tribo percebeu que as águas moviam-se de forma estranha e fixou melhor o olhar. Então viu os três barcos à distância. Os outros índios só conseguiram vê-los quando o chefe lhes descreveu o que estava a ver. E, de repente, “puf”, os barcos estavam ali. Verdade ou lenda, isto procura explicar que os índios não viam as caravelas pela simples razão de não fazerem parte do que estava arquivado no seu cérebro. Não vemos com os nossos olhos. Estes são meros transmissores de sensações luminosas para o nosso cérebro. Nós vemos com o cérebro, e se determinada imagem não corresponder a nada do que aí tenhamos guardado, acontece que podemos até deixar de ver algumas coisas.

- Ah, interessante! Amanhã alguém quer ir à K.K.?

Barriga cheia, vinho, cogumelos, e um grande défice de cultura para podermos desenvolver o assunto pelo interveniente abordado, logo a conversa voltou novamente ao mundo irreal das nossas ilusões verticais, ignorando todos os medos que havíamos passado nesse dia. Rapidamente o peito enche-se de ar, desperta-se novamente o pavoneio, e já só falávamos das vias que pretendíamos escalar no dia seguinte, ignorando em absoluto o ditado popular que diz: “1 pavão e 1 galo no chão… só penas. Agora, os dois, no ar, a apertar…é complicado.” E embalados pelas penas nesse dia nos ficamos. No final do dia seguinte enquanto arrumávamos o material, desembrulhávamos as histórias do dia como forma de descompressão. Uma das cordadas com um jogo de excêntricos, contava que de manhã havia largado âncora, e embarcando na tentativa de chegar a um novo mundo. Referiram seus medos e aventuras no desconhecido. Quando iniciamos uma viagem pelo desconhecido vários perigos poderão surgir. Foi então que passadas as primeiras ondulações sobre a vegetação lhes apareceu um cabo.

- Um Cabo das Tormentas!
- Não, um cabo de aço. A via que estávamos a abrir afinal já estava aberta.
- E não estava registada nos anais?
- Nos anais não estava registada. Vou ter que pesquisar melhor sobre o assunto.

O dia não seria dado como perdido, já que não se pode ir por um novo mundo, vai-se por um semi-novo, a via Esperança estava aberta de fresco. A personagem que queria ir à K.K., encontrava-se pela zona, e desprovido das suas penas, colou-se a este desafio. Durante essa viagem, vários foram os comentários que se foram tecendo, os do costume, a crítica fácil do duro trabalho realizado pelos aberturistas e os comentários sobre novas linhas que por ali poderiam surgir, dado ao estado selvagem que a parede apresentava.

A noite ameaçava instalar-se no meio da descida quando os 2ºs de cordada estavam no último largo da via. Cansados, com o miolo um pouco cosido e o corpo comprimido depois de passar pela estreita chaminé, entramos num canal de terra ladeado por rocha. Este foi o bater da asa da borboleta que desencadeou a tempestade.

- Que é isto? Não sei onde o Roxo viu aqui um largo de escalada!
- Esquece, isto é como a caravela. O teu cérebro ainda não está preparado para a ver.

Porque há pessoas que estão sempre a “navegar”, a (re)descobrir e a oferecer novos mundos. 

“Navegar é preciso…”
MC


Até breve

11 comentários:

Daniela Teixeira disse...

LOL!
Quando ele regressar de mais um dos seus naveganços (para a semana!), vai ter aqui uma surpresa! Já o estou a ver, de olhos colados ao ecrã, a dar uma gargalhada estridente!

Continuem a navegar seus piratas!!!!
Abreijos
Daniela

Anónimo disse...

"...vivere non est necesse."

Já os antigos se lançavam ao mar repleto de aventuras, mistérios e muitos perigos. Assim, explanavam a alta voz que melhor do que viver atracado no ancoradouro da conformidade e da mediocridade, é necessário aventurar-se à novidade, ao desconhecido, enfim, ao ABISMO!

Estou certo que a "Caravela Roxa" perdurará para lá das nossas imprecisas vidas e dentro do nosso inconsciente colectivo.

Parabéns aos três ensarilhas!
#

Anónimo disse...

Cunha as tuas Histórias são simplesmente as melhores!!
topas

Anónimo disse...

A "Caravela" navega num mar agitado, sem um capitão como a Daniela, não existia "Esperança" de chegar a bom porto.

Excelente texto e um muito obrigado por esta viagem tormentosa.

Paulo Roxo

Anónimo disse...

Muito bom!!!!
João Animado

Anónimo disse...

Agora, temos que recolher a bandeira (que está brutal) içar as velas e navegar à bolina ;)
MC

Anónimo disse...

Navegar à bolina... em que direcção? ;)

sesa disse...

Não percebo nada de navegação, mas tenho ideia que "à bolina" é aos ziguezagues mais ou menos contra o vento....
Abreijos a todos.

Anónimo disse...

Aos zigue-zagues e contra o vento! SEMPRE!

Anónimo disse...

A ultima foi minha.

Paulo Roxo

Anónimo disse...

Explicada a parte técnica da coisa, falta a parte táctica, a direcção. Essa é mais complicada de explicar. Navegação "à vista";)
MC